Cordofones tradicionais nunca são demais
Vamos embarcar num momento National Geographic e falar-vos sobre espécies em extinção, mas das nossas. Como o nosso negócio é a música, as espécies são instrumentos tradicionais portugueses. Segundo algumas perspectivas, estes instrumentos estão por um fio, mas como só vamos abordar cordofones vamos dizer que estão por cordas.
São instrumentos que foram usados em certas realidades que, essas sim, têm tendência a desaparecer da vida quotidiana do país. Mesmo com o esforço de coletividades locais e de músicos que gostam de promover a etnografia musical nacional, alguns estão a perder a relevância e a transformarem-se em autênticas relíquias.
Achamos que as notícias da sua morte são manifestamente exageradas, até porque existe um grande interesse nos nossos instrumentos tradicionais por parte de muitos músicos jovens e de turistas que descobrem que os ukuleles afinal vêm de Portugal, e que a nossa herança musical é rica, vasta e altamente recomendável.
De qualquer forma, queremos destacar alguns que achamos que podem comprar, levar para casa, estimar, e manter vivos da única maneira possível, que é fazendo música com eles.
VIOLAS CAMPANIÇAS
Natural do Alentejo, a viola campaniça ou viola de Beja, é um cordofone tradicional que faz parte do grupo das violas de arame.
É uma viola de grandes dimensões relativamente a outros cordofones portugueses, com cerca de 110 cm de comprimento, e uma caixa harmónica de figura esbelta em forma de oito muito apertado.
Tocada normalmente só com o polegar, acompanhava os cantares à desgarrada dos homens refugiados nas tabernas do sol e do trabalho duro da planície. E também dava som às modas campaniças nos bailes, feiras e romarias da região, para quem quisesse dançar.
Como outros cordofones portugueses, tem cinco ordens de cordas, sendo as três ordens mais agudas duplas, afinadas em uníssono, e as duas mais graves afinadas em oitava. A afinação é Si3 – Sol3 – Mi3 – Lá2 – Mi2 (as duas últimas ordens com oitava acima).
Os tocadores de campaniça são cada vez menos, mas achamos que enquanto houver sol e tabernas, e homens e mulheres da planície alguém há-de cantar com uma nas mãos.
VIOLAS AMARANTINAS
Uma das violas nacionais em que bate não um mas dois corações, e que animou o batimento de tantos durante séculos com o seu rasgado, é a viola amarantina. Aliás, na sua génese está uma história de amor: os dois corações simbolizam o amor impossível entre um rapaz e uma rapariga, proibido pelos pais dela. O rapaz construiu a viola com os dois corações que, apesar de apontados para lados opostos, estão unidos para sempre, a dar voz a este instrumento.
Com um corpo mais pequeno que uma guitarra normal, tem cinco ordens de cordas duplas: as duas ordens de cordas mais agudas afinam em uníssono, as três ordens mais graves em oitavas, em Lá4 – Mi4 – Si3 – Lá3 – Ré3.
A viola amarantina esteve já perto de se perder para a memória mas houve quem a trouxesse de novo para perto dos corações e dos ouvidos de todos, apontando-os para o mesmo lado.
VIOLA BEIROA
Conhecida também como viola de Castelo Branco ou bandurra é um cordofone tradicional português de 10 cordas (5 duplas) típico da região da Beira Baixa.
Era tocada em serenatas aos noivos ou para fazer dos dias uma festa, pelas tabernas ou por onde houvesse quem estivesse disposto a cantar ao desafio.
A característica que a faz distinguir-se dos restantes cordofones tradicionais nacionais são as requintas, duas cordas simples com cravelhas situadas junto à ligação do braço com a caixa, que se tocam soltas.
O corpo é em forma de oito numa curva muito apertada e a boca é redonda. A cabeça é plana e um pouco inclinada relativamente ao braço. A afinação dos agudos para os graves é Ré4 – Si3 – Sol3 – Ré3 – Lá2 – Ré5.
Aqui, a viola beiroa atirou-se ao Atlântico e foi-se mostrar nos Açores.
VIOLA BRAGUESA
A viola braguesa é um cordofone tradicional português típico da região do Minho, particularmente da cidade que lhe dá o nome: Braga. Nos seus traços característicos temos a abertura da caixa harmónica em formato chamado “boca de raia”, apesar de poder ser também de boca redonda.
Possui 5 ordens de cordas duplas, que são tocadas em rasgado, com os dedos a percorrerem todas as cordas. As duas ordens mais agudas estão afinadas em uníssono e as três ordens mais graves estão afinadas em oitavas e, das suas afinações possíveis, a mais tradicional é a conhecida por “moda velha”: Lá4 – Mi4 -Si3 -Lá3 – Ré3.
A braguesa é uma viola que dá fundo aos cantares de Braga mas também a músicos de Lisboa, como o B Fachada, que gostou tanto dela que gravou um disco chamado “Viola Braguesa” que foi tão importante para ele que decidiu regravá-lo 10 anos depois. Nada mau para um instrumento considerado à beira da extinção.
VIOLAS TOEIRAS
À toeira já houve quem lhe tivesse feito o funeral. Esta viola de arame da Beira Litoral, mais autóctone que a guitarra portuguesa na versão de Coimbra, era usada para animar as festas e romarias, e teve muitos fabricantes na região especializados no seu fabrico.
Semelhante à viola braguesa quer na forma quer no tamanho, tem uma boca deitada em forma oval. As suas doze cordas estão organizadas em cinco ordens, sendo as três ordens mais agudas de cordas duplas afinadas em uníssono e as duas mais graves de cordas triplas afinadas em oitavas.
Ao contrário do que alguns pensam, ainda está viva,e temos a prova aqui mesmo.
VIOLAS DA TERRA
A viola da terra vem das ilhas dos Açores, e descende das violas braguesas, amarantinas e semelhantes, levadas do continente para o arquipélago já no século XV, acabando por se desenvolver de forma particular devido ao isolamento das ilhas açorianas, mas mantendo o formato do corpo, num esbelto oito.
Mais do que um instrumento, é o coração e a paixão de uma tradição em forma de viola. A viola da terra de São Miguel é um dos mais belos instrumentos tradicionais portugueses e transformou-se num elemento central das manifestações festivas tradicionais dos habitantes das ilhas, com duas aberturas em formato de coração a dar voz aos sentimentos dos ilhéus.
A viola da terra da ilha Terceira tem uma boca redonda e o mesmo encanto. Ambas têm um som muito característico, criado pelas suas cinco ordens de cordas: as três mais agudas são duplas, afinadas em uníssono; as duas ordens mais graves são triplas e estão afinadas em oitava, com bordão. A afinação das ordens são, do agudo para o grave, Ré - Si - Sol - Ré - Lá.
Está bem viva, e recomenda-se, como se pode ver neste fantástico documentário.
No Salão Musical de Lisboa temos estes e outros instrumentos nacionais que estão à espera de vocês para lhes dar vida e música, e evitar que caiam no esquecimento. Porque enquanto forem tocados e partilhados com outros, nunca ficarão extintos. Aceitem o desafio e adotem um instrumento tradicional português. Ou dois. Ou três.