Música contra a censura: as canções da Revolução dos Cravos
Conheçam, recordem e aprendam algumas das canções que ajudaram a fazer o 25 de Abril de 1974
Muito antes do 25 de Abril, já a música andava nas ruas, rádios e televisão a desafiar o regime. Canções que falavam de liberdade, igualdade e justiça social. Circulavam de mão em mão, em cassetes gravadas em segredo e ouvidas em tertúlias e encontros clandestinos. Ou editadas, com grande risco. Muitas eram proibidas, censuradas, os seus autores e ouvintes vigiados de perto. Mas tocavam-se na mesma.
A música era parte da luta, e as guitarras eram instrumentos de resistência. Vozes como a de Zeca Afonso, José Mário Branco ou Adriano Correia de Oliveira deram corpo a uma coleção de canções de protesto que incomodaram o regime e inspiraram quem vivia sob o seu jugo. A música tornou-se um canal de expressão livre num país em que quase tudo era proibido.
Vamos conhecer algumas das canções que representaram a esperança de um país que queria ser livre.
Índice
Por que é que a música foi tão importante antes do 25 de Abril?
7 canções que marcaram a Revolução dos Cravos
1. “Grândola, Vila Morena” – Zeca Afonso
2. “E Depois do Adeus” – Paulo de Carvalho
3. “Liberdade” - Sérgio Godinho
4. “Pedra Filosofal” - Manuel Freire
5. “Queixa das Almas Jovens Censuradas” - José Mário Branco
6. “Trova do Vento que Passa” – Adriano Correia de Oliveira
7. “Tourada” – Fernando Tordo
Notas finais
Por que é que a música foi tão importante antes do 25 de Abril?
Durante o Estado Novo, a censura não deixava passar praticamente nada que se manifestasse contra a ditadura. Livros, filmes, peças de teatro e canções eram inspecionados ao pormenor. Tudo o que fosse crítica ao regime era cortado. Mas havia formas de passar a mensagem — e a música, com as suas metáforas, ironias e poesia, conseguia furar por onde a prosa não passava.
Os músicos de intervenção arriscavam tudo: perder o emprego, ser presos, verem os seus discos proibidos. E mesmo assim não pararam. A guitarra tornou-se um símbolo de liberdade. Aprender os acordes e as letras destas canções é, ainda hoje, uma forma de manter viva a memória do que foi conquistado, e que é preciso conquistar todos os dias, ainda.
7 canções que marcaram a Revolução dos Cravos
1. “Grândola, Vila Morena” – Zeca Afonso
Foi a segunda senha para avançar a marcha dos militares, iniciando a Revolução de 25 de Abril de 1974. A música começa com o som de passos sobre gravilha, que evoca os passos dos soldados a caminho de derrubar o regime.
É cantada a capella, e ganha uma força imensa quando o coro se junta, ao estilo do cante alentejano. Uma canção sobre fraternidade e igualdade, que se transformou no hino do 25 de Abril.
2. “E Depois do Adeus” – Paulo de Carvalho
Esta balada romântica, com letra de José Niza e música de José Calvário, foi escrita para ser interpretada por Paulo de Carvalho na 12.ª edição do Festival da Canção da RTP. Apesar de não ter declaradamente conteúdo político, ficou ligada à Revolução dos Cravos por ter sido a primeira senha da revolução.
Quando passou na rádio às 22 horas e 55 minutos, do dia 24 de Abril de 1974,os militares souberam que era altura de se prepararem e estarem a postos. A confirmação chega pouco depois com Grândola, Vila Morena, e assim se inicia a Revolução.
Contexto histórico à parte, esta canção é uma das melhores composições da música ligeira portuguesa, brilhantemente interpretada por Paulo de Carvalho. Tão boa, que ganhou essa edição do Festival da Canção.
Não é a música mais fácil de tocar na guitarra, mas é possível, se conseguirem fazer o arranjo certo. Aqui fica uma tabela de acordes para se poderem guiar.
E Depois do Adeus - Paulo de Carvalho - Cifra Club
3. “Liberdade” - Sérgio Godinho
Sérgio Godinho tinha uma estética diferente de Zeca Afonso ou José Mário Branco. Com raízes mais roqueiras, Sérgio Godinho usou a sua música como veículo para transmitir as mesmas ideias de paz, igualdade, prosperidade e segurança para todos. E liberdade para decidir. É uma das obras-primas da canção de protesto portuguesa.
Liberdade - Sérgio Godinho - Cifra Club
Guitarras Elétricas no Salão Musical
4. “Pedra Filosofal” - Manuel Freire
É impossível falar de música de intervenção sem mencionar este tema. A letra é um poema de António Gedeão (pseudónimo do professor e cientista Rómulo de Carvalho) e foi transformado em canção por Manuel Freire no final da década de 60. “Pedra Filosofal” não fala diretamente de política, mas carrega uma carga simbólica fortíssima. É uma ode à capacidade de sonhar, à fé inabalável nas ideias e à transformação do mundo através da imaginação e da vontade.
A força da canção está no refrão — “Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida” — uma afirmação que ressoava com quem queria mudar o país. Não era preciso falar da ditadura: bastava afirmar o direito a sonhar.
Pedra Filosofal - Manuel Freire - Cifra Club
5. “Queixa das Almas Jovens Censuradas” - José Mário Branco
O poema é de Natália Correia, a música é de José Mário Branco e é um grito contra o conformismo, contra a falta de futuro que um regime opressivo oferece aos jovens. É uma das faixas mais importantes do álbum de estreia de José Mário Branco, editado em 1971.
Cheia de sentimento, é uma canção espetacular de se tocar e um dos temas menos lembrados quando se fala de música de intervenção.
Se a quiserem tocar, têm a cifra disponível no Arquivo Musical José Mário Branco, em PDF.
Guitarras Clássicas no Salão Musical
6. “Trova do Vento que Passa” – Adriano Correia de Oliveira
Baseada num poema de Manuel Alegre, tornou-se num hino da resistência e da esperança. Cantada por Adriano Correia de Oliveira, amigo de Alegre quando estudaram em Coimbra, a criação desta música tem uma história interessante, contada por Eduardo M. Raposo, no livro Cantores de Abril – Entrevistas a cantores e outros protagonistas do Canto de Intervenção (Lisboa, Edições Colibri, 2000):
“Conta-se que numa noite, em plena Praça da República em Coimbra, Manuel Alegre exprimia a sua revolta: «Mesmo na noite mais triste/ Em tempo de servidão/ Há sempre alguém que resiste/ Há sempre alguém que diz não».
E Adriano Correia de Oliveira disse ”mesmo que não fiquem mais versos, esses versos vão durar para sempre”. Ficaram. António Portugal compôs a música . “E depois o poema surgiu naturalmente”. Tinha nascido a Trova do vento que passa.
Três dias depois vieram para Lisboa, para uma festa de recepção aos alunos na Faculdade de Medicina. Manuel Alegre fez um discurso emocionado, depois Adriano Correia de Oliveira cantou e quando acabou de cantar: “Foi um delírio, teve de repetir três ou quatro vezes, depois cantou o Zeca, depois cantaram os dois. Saímos todos para a rua a cantar. A Trova do vento que passa passou a ser um hino””
As raízes coimbrãs estão também expressas nas guitarras que acompanham a voz de Adriano Correia de Oliveira.
Cifra Trova do Vento que Passa - Escola de Fado de Coimbra
Guitarras Portuguesas no Salão Musical
7. “Tourada” – Fernando Tordo
Ainda hoje não se percebe como esta canção escapou à censura para participar no Festival da Canção de 1973. Cantada por Fernando Tordo e com letra de José Carlos Ary dos Santos, é uma crítica ácida à decadência do regime. Esta finta ao lápis azul permitiu que “Tourada” vencesse essa edição do Festival e ficasse como uma das canções de protesto mais descaradas da época.
Tourada - Fernando Tordo - Cifra Club
Notas finais
Estas canções fazem parte da história da música portuguesa — e da própria história de Portugal. Tocá-las hoje, especialmente na guitarra, é uma forma de homenagear quem arriscou tudo para podermos viver em liberdade. Se gostam de tocar com sentimento, estas músicas têm-no em sobra.
A música é um meio de expressão que sempre foi usado para demonstrar esperança numa sociedade justa e livre, para criar uma mudança positiva onde existe repressão. Do Tropicalismo aos Blues do Sahara, até às canções de intervenção de Portugal e Angola, a música tem dado voz a quem defende a liberdade.
Peguem numa guitarra e homenageiem a coragem destes músicos. No Salão Musical temos todos os instrumentos que precisam para dar música à liberdade. Visitem a nossa loja online.